terça-feira, 30 de agosto de 2016

10 anos de Ações Afirmativas na UFRGS são comemorados com uma rasteira!


Em junho de 2007 foram implementadas as Ações Afirmativas na UFRGS, que ampliou o acesso da maioria da população de baixa renda, negra e indígena à universidade onde só haviam 0,3%1 de negros antes das Ações Afirmativas. Hoje, com o suporte de uma lei (Lei Federal nº 12.711/2012) as cotas são realidade em todas universidades, e agora adentram a pós-graduação.
Contudo, no último Conselho Universitário (CONSUN – 26/08/16), as Ações Afirmativas quase tomaram uma rasteira. Com a justificativa de melhorar a legislação sobre Cotas na UFRGS e de melhor distribuir os alunos cotistas entre 1º e 2º semestre, está sendo proposta a impossibilidade dos estudantes cotistas concorrerem às vagas universais, limitando o acesso dos cotistas a 50% das vagas. Mas quem é maioria mesmo? O que tem mais: estudantes de escolas públicas ou estudantes de escola privada?
De fato, é necessária a reescrita da legislação atual sobre cotas na UFRGS, pois atualmente o acesso por ações afirmativas é regulamentado em pelo menos cinco diferentes decisões do CONSUN. O que torna a compreensão do sistema muito complexa e muitas brechas, incluindo falsificação da autodeclaração ética2 sem a devida punição. Além disso, há anos nota-se que os alunos cotistas são agrupados nas turmas de 2º semestre, nos cursos em que há dupla entrada como Medicina, Direito, Psicologia, Administração, Engenharias, Arquitetura, Jornalismo e outros. Essa separação das vagas pela pontuação do vestibular já gerou casos de discriminação e injúria racial. Sem falar no tratamento diferenciado, por exemplo, turmas de 2º semestre alocadas em prédios diferentes dos alunos do 1º semestre3, professores “renomados” que se negaram a dar aula para os alunos cotistas “por que são burros demais para compreender a matéria” ou outros casos de agressão verbal e assédio moral individual 4-7. Algumas dessas questões passaram sem registro por serem preconceitos velados -ou revelados em pequenos grupos-, outros geraram processos na universidade ou na justiça comum. A fim de evitar essas situações e cumprir com um dos objetivos das Ações Afirmativas, o de “promover a diversidade étnico-racial e social no ambiente universitário”, é necessária a mescla dos alunos cotistas com os de acesso universal. Essa é uma reivindicação feita há anos pelos estudantes cotistas e movimento estudantil como um todo.
Entretanto, o que a universidade (através da Pró-Reitoria de Graduação e comissão de Legislação do CONSUN) parece estar fazendo é o oposto ao determinado pelos objetivos das Ações Afirmativas na UFRGS, ao propor o bloqueio do acesso dos alunos cotistas às vagas universais. Essa medida somente restringe o acesso aos estudantes cotistas, uma vez que impõe o limite de 50% vagas a esses estudantes. Uma das justificativas colocadas pela universidade é de que os alunos cotistas estão deixando de se matricular na UFRGS pelas oportunidades oferecidas pelo FIES e PROUNI. Eu realmente gostaria de conhecer um aluno que não quis o prestígio da Federal para se endividar pelo FIES! A Pró-Reitoria se utiliza de um dado infundo para estabelecer uma decisão da universidade baseada em programas de uma política governamental que não possuem garantias de sua manutenção que sirvam para legislar sobre uma política estabelecida por lei.
Dessa forma, por trás de uma proposta de melhoria, se esconde a política de inverter as cotas, garantindo acesso a elite (que é quem é de fato minoria)... Quem vem de família de posses, quem tem condições de fazer escola particular, quem sempre foi elite e sempre teve vaga garantida até a chegada das cotas!
Não vamos tomar essa rasteira, por que a gente ataca antes!

Adriana Corrêa da Silva
Ex-Cotista UFRGS, Bacharela em Biomedicina, Mestra em Biologia Celular e Molecular UFRGS , Doutoranda de Biotecnologia e Biociências UFSC
 
 


1 Relatório do Programa de Ações Afirmativas (2008-2012). Comissão de Acompanhamento dos Alunos do Programa de Ações Afirmativas. Disponível em: http://www.ufrgs.br/acoesafirm
ativas/relatório

2 Um ano após denúncia de fraude nas cotas, UFRGS reinicia processo. Jornal Zero Hora. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/educacao/noticia/2016/08/um-ano-apos-denuncia-de-fraude-nas-cotas-ufrgs-reinicia-processo-7113288.html

3 Estudantes denunciam que Direito da Ufrgs afasta cotistas do campus principal. Rádio Guaíba. Disponível em: http://www.radioguaiba.com.br/noticia/estudantes-denunciam-possivel-caso-de-segregacao-entre-alunos-do-curso-de-direito-da-ufrgs/

4 Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil (Dados 2010). Conselho Indigenista missionário. Disponível em: http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1309466437_Relat orio%20Violencia-com%20capa%20-%20dados%202010%20(1).pdf (página 88)
5 Professor denuncia preconceito contra aluno indígena na Faculdade de Medicina da Ufrgs. Associação dos Servidores UFRGS e UFSCPA. Disponível em: http://www.assufrgs.org.br/noticias/professor-denuncia-preconceito-contra-aluno-indigena-na-faculdade-de-medicina-da-ufrgs/

6 Nota pública do DO DCE/UFRGS sobre discriminação sofrida por estudantes cotistas na Faculdade de Direito. Diretório Central dos Estudantes da UFRGS. Disponível em: http://www.ufrgs.br/caar/?p=287

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